Projetar em loteamentos suburbanos continua a ser um dos grandes desafios da arquitetura contemporânea. É neste contexto que surge o Edifício Aurora 10, projetado pelo estúdio Tiago do Vale Arquitectos: uma resposta à falta de estratégia urbana que caracteriza grande parte destes territórios, onde edifícios isolados, espaços fragmentados e ausência de identidade coletiva resultam em lugares que não criam cidade, não estruturam ruas, não promovem relações e não qualificam o espaço público.
O Aurora 10 propõe precisamente o contrário: um projeto que reinterpreta o lote a partir do seu contexto, estabelecendo enfiamentos visuais, continuidade espacial e uma participação ativa na construção do espaço público.
Embora o programa siga uma lógica funcional rigorosa, a fachada principal rompe o monolitismo habitual através de um delicado jogo de luz e sombra, criando panos verticais que dialogam com a horizontalidade das varandas. Um gesto que —variável ao longo do dia— evoca o ritmo denso das ruas dos centros urbanos consolidados.
Numa periferia onde o “espaço público” costuma ser apenas o que sobra entre edifícios, o Aurora 10 propõe outra lógica. O passeio prolonga-se numa galeria comercial coberta, culminando a norte numa escada-auditório que funciona como ponto de encontro, pausa e convivência —um espaço que, com o tempo, será sombreado por um jacarandá.
Este elemento —simultaneamente urbano e doméstico— converte-se no marco identitário do edifício, rematando o enfiamento visual da rua e devolvendo-lhe urbanidade.
A planta, altamente sistematizada, evita geometrias complexas e reduz circulações para maximizar área útil. Nos apartamentos T3, isso permite a introdução de um espaço flexível, sem função pré-definida, preparado para usos tão diversos como escritório, biblioteca, oficina, estúdio, arrumos ou mesmo um pequeno negócio doméstico. Uma casa que se adapta à vida —não o contrário.
As zonas comuns, tratadas com a mesma dignidade dos espaços privados, reforçam a experiência de habitar. Os materiais —madeiras nacionais como carvalho e castanho, e mármore de Estremoz nas zonas húmidas— sublinham uma linguagem tectónica precisa e duradoura.
Varandas projetadas e vãos envidraçados recuados permitem uma frente em vidro quase contínua, potenciando vistas, privacidade e controlo solar.
Com um desenho simultaneamente técnico e orgânico, o Aurora 10 não se limita a ocupar um lote: atua sobre a cidade, qualifica-a e inspira novas leituras para o futuro dos territórios suburbanos.
Mais do que um edifício, é uma proposta arquitetónica para reconstruir o espaço público a partir da habitação coletiva.
FICHA TÉCNICA
Arquitetura: Tiago do Vale Arquitectos
Equipa de projeto: Tiago do Vale, Adriana Gomes, com Paula Campos e Clementina Silva
Ano de projeto: 2020-2021
Programa: Habitação Multifamiliar, Comércio e Serviços
Localização: Ponte de Lima, Portugal
Promotor: Rio Sul, L.da
Construção Rio Sul, L.da
Especialidades: Eng.ª Eduarda Oliveira
Ano de contração: 2021-2024
Área de implantação: 1247 m2 / 13423 ft2
Área de construção 4919 m2 / 52948 ft2
Mobiliário: Redel Interiores
Fotografia: João Morgado







